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Patrimonio Histórico

Trechos da Tese de Thais S. Vinhas - Internet

...O objeto de análise desse estudo incide sobre o patrimônio histórico-cultural como viabilidade de preservação dos monumentos...... A pesquisa teve como objetivos identificar o patrimônio arquitetônico do povoado e perceber a relação entre esse legado e a comunidade residente na localidade, bem como a percepção dos turistas acerca desses bens. Buscou-se fundamentar o estudo a partir das discussões teóricas sobre o conceito de patrimônio, que reflete diretamente sobre as noções de memória e identidade, suporte fundamental para compreender a trajetória das ações de preservação patrimonial e sua configuração na atualidade......Percebeu-se também que quando existe o sentimento de identidade entre comunidade e patrimônio, sua preservação é assegurada e sua inserção na atividade turística acontece de forma dinâmica e espontânea......No decurso da história humana, o homem elaborou um complexo sistema designos e significados que se cristalizou na forma de organizar a vida de cada grupo, sendo a força condutora das relações em sociedade, bem como das relações dos indivíduos com o meio natural. No momento em que se fixaram em um espaço e organizaram a vida social, criaram um conjunto de elementos simbólicos que conduziram e deram sentido à existência humana. Ao se constituírem seres sociais, constituíram-se também seres culturais....Construída a partir de um processo acumulativo das vivências compartilhadas na vida em sociedade, a cultura revela as diversas formas de apreensão da realidade em diferentes tempos e espaços. Margeia o campo do concreto e do abstrato, revelando crenças, sentimentos, percepções de mundo que muitas vezesse materializa nos vestígios que são deixados por esses grupos em sua trajetória histórica. Dentre esse amplo universo de aspectos que constituem o legado de um povo, encontram-se os monumentos que compõem o patrimônio arquitetônico histórico-cultural de determinada sociedade....Diante da nova configuração mundial, a preservação da cultura tem despertado o interesse de diversos organismos nacionais e internacionais. Com o advento da globalização, muito tem se discutido sobre o lugar da cultura em uma sociedade de transformações muito rápidas que podem influenciar no processo de desagregação dos sistemas culturais, levando ao desaparecimento de expressões e vestígios que identificam um grupo social específico....Outro conceito essencial para a construção teórica desse estudo foi o de patrimônio histórico-cultural. Para tanto, buscou-se compreender a noção de patrimônio na contemporaneidade, que expressa, acima de tudo, uma construçãocultural que marca a trajetória histórica de grupos sociais específicos:

 Estamos (re)apreendendo a olhar para o patrimônio como um bem que representa identidade e que exterioriza o valor de uma cultura, de algo quepode ser a expressão de uma conjuntura histórica, a leitura de uma concepção social ou a manifestação de uma tradição. (REIS, [s.d]) ...

Com a eclosão da dupla revolução, a intelectualidade européia sentiu a necessidade de celebração de conceitos que permitissem apreender o universo que se descortinava diante dos eventos que estavam acontecendo sucessivamente. Nesse momento há a ampliação e demarcação conceitual de termos como cultura,monumento, patrimônio, ideologia, memória, identidade, aculturação, dentre outros. Termos sem os quais seria impossível entender a realidade que se delineou na transição do século XVIII para o século XIX, e as implicações que acarretou na compreensão desses conceitos na contemporaneidade. Nesse período, em meio à ebulição econômica, social, política e cultural, um conceito é evocado na tentativa de redirecionar a evolução nos grandes centros urbanos da época: o de patrimônio.

Sobre os impactos diretos das transformações ocorridas nas paisagens urbanas, discussões, acerca do patrimônio, foram suscitadas demonstrando assim uma incipiente preocupação com o legado deixado pelas antigas civilizações.Para isso, necessário se fez que o ponto inicial se desse com a compreensãodo que seria patrimônio, desde a sua primeira acepção até a construção do conceito que emergiu no final do século XVIII: Muitos são os estudos que afirmam constituir-se essa categoria em fins do século XVIII, juntamente com os processos de formação dos Estados nacionais, o que é correto.

Omite-se, no entanto, o seu caráter milenar. Ela não é simplesmente uma invenção moderna. Está presente no mundo clássico e na Idade Média, sendo que a modernidade ocidental apenas impõem os contornos semânticos específicos que, assumidos por ela, podemos dizer que a categoria “patrimônio” também se faz presente nas sociedades tribais. (GONÇALVES, 2003, p. 22)

A trajetória de afirmação do patrimônio no campo conceitual é marcada por mutações e afirmações do que ele representou para cada período da história em que esteve em discussão o seu significado.Etimologicamente a palavra patrimônio remete à antiguidade, tendo em sua raiz o termo em latim pater, relativo a pai, pátria. Kersten (2000) afirma que a construção do conceito de patrimônio estruturou-se na junção dos termos grego Kleronomia –posse e mnéïmon – memória que advém do objeto, do latimmonumentum – obra do passado ou edificação comemorativa e do alemão Denkmal ( Denk – o ato de pensar sobre/ Mal – marca) e Kuturget – herança de uma civilização. Esse processo resultou na acepção clássica da palavra, definida como sendo a herança que se recebe do passado, e que serve como referência para uma sociedade.Entre o final do século XVIII e início do XIX a valorização do patrimônio e apreocupação com a sua preservação ganharam força após os episódios considerados como momentos de destruição do legado cultural que possuía representatividade para as sociedades em que se circunscreviam.Na Revolução Francesa, a destruição do patrimônio foi impulsionada por questões ideológicas, motivada pelo desejo de destruir tudo que pudesse fazer alusão ou referenciar aquilo que eles combatiam, simbolizado pelo Antigo Regime; na Industrial, por caracterizar um processo de transformação urbana, onde a urgência de criação de novos espaços acarretou o desaparecimento de outros.Na iminência da perda, as atenções voltam-se para o patrimônio e sua preservação, com abertura de um campo de estudo com ênfase à problemática, que se inicia com a formulação de um conceito que refletisse o que a sociedade da época passou a entender como sendo patrimônio.Dessa forma, a compreensão de patrimônio nesse contexto esteve ligada aoc onceito de monumento, associado aos aspectos de monumentalidade, dando-se ênfase apenas aos bens arquitetônicos e obras de grande expressão artística (PELLEGRINI FILHO,1997).

Ao termo patrimônio foi acrescentado o adjetivo histórico, e o seu valor era determinado pelo critério de antiguidade, ou seja, tudo que se referisse a um tempo remoto, em especial às civilizações greco-romanas. A percepção do patrimônio esteve centrada principalmente nos grandes monumentos que representavam a materialidade do fazer humano, enfatizando assim os bens de “pedra e cal”.A concepção de patrimônio histórico ligava-se aos marcos que representavamos grandes fatos, sob uma ótica singular e hegemônica. A escolha daquilo quec onstituía o patrimônio estava alicerçado na memória e relacionada à idéia de nação e identidade; a formação dos Estados-Nação vai reivindicar a sobrevivência do patrimônio histórico enquanto ponto de referência para a construção da identidade nacional: 

Foi a idéia de nação que veio garantir o estatuto ideológico (do patrimônio),e foi o Estado nacional que veio assegurar, através de práticas específicas, a sua preservação (...). A noção de patrimônio se inseriu no projeto mais amplo de construção de uma identidade nacional, e passou a servir ao processo de consolidação dos estados-nação modernos. (FONSECA,apud SANTOS, p. 1)

O patrimônio passou então a fazer parte de um mecanismo ideológico de identificação, de reconhecimento e construção de uma identidade, a partir de elementos concretos que pudessem inscrever em si um tempo e uma estruturação social. Já nesse período, a sobrevivência desse patrimônio passa por um critério de seleção daquilo que deveria permanecer no tempo como legado para as gerações presente e futura.No século XIX, a evolução do significado de patrimônio acompanha a evolução do significado de cultura, que representava então tudo aquilo que era produzido a partir de uma vivência compartilhada. Assim, sua compreensão ganha novas dimensões, passando a referir-se às construções representativas de uma coletividade com significados definidos na vida social, com vistas a mudança naprópria nomenclatura dessa categoria, que passou a ser definida como patrimônio cultural: As instituições e organizações internacionais levaram o termo patrimônio a uma dimensão planetária ao criar a categoria patrimônio histórico da humanidade. Esta categoria remete à possibilidade de diálogo entre as diferentes culturas e supõe que, apesar das profundas divergências, possam estabelecer parâmetros e critérios comuns. Com isso, reconhecem que elementos pertencentes a sociedades e culturas particulares são importantes para a humanidade como herança comum. O termo patrimônio estava, assim, teoricamente ligado ao conceito antropológico de cultura. Ao incorporar o termo cultural, incluindo as dimensões testemunhais do cotidiano, a nova noção – Patrimônio Cultural – superou a redução que ofazia perder a abrangência de sentido. (KERSTEN, 2000, p.33) o patrimônio passa então a ser entendido como expressão de cultura e identidade, construído dentro de uma conjuntura histórica, revelando uma concepção sócio-cultural em que as construções materiais e imateriais são influenciadas pelas idéias reinantes à época e pelas necessidades impostas pelo momento, com a capacidade de referenciar um grupo humano no seu espaço: identidade cultural dos grupos sociais, agregando à idéia de patrimônio o sentido de valor, por ser ele a representação de uma construção social, atuando como símbolo que reforça o sentimento coletivo de identidade.

 

2.2 – O patrimônio enquanto referência de memória e identidade

 

A relação entre patrimônio e memória inicia-se a partir do momento em que a memória busca instrumentos que lhe permitam evocar um fazer humano que possa revelar a tridimensionalidade do tempo, consagrando-o entre o passado, presente e futuro. Essa relação ganha contornos diferenciados conforme a temporalidade e as intenções que a intermediam, servindo como suporte para a conformação de identidades.Assim, após a Revolução Francesa a memória passou a ser evocada com o sentido de “comemorar a nação”, através dos monumentos nacionais e dos fatos que exaltavam a revolução. Passou-se a estabelecer então os espaços e momentos de celebrar a nação, partindo-se daquilo que seria significativo para a unificação nacional. Nesse período surgiu uma nova percepção sobre a memória, que esteve até aquele momento ligada apenas à idéia de recordação. Nesse novo paradigma, a constituição da memória baseava-se não apenas nas lembranças, mas também nos esquecimentos, ela se expressava não apenas através das palavras, como também nos silêncios.Na evolução do conceito de memória, ela passa a ser considerada tambémcomo suporte da identidade. Na busca pela identificação com o grupo social no qual se encontram inseridos, os indivíduos recorrem à memória na tentativa de dar sentido à sua história e às suas origens.

Jacques Le Goff (1996, p.476 ) afirmaque: A memória é um elemento essencial do que costuma chamar identidade,individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dosindivíduos e da sociedade hoje, na febre e na angústia.

A identidade cultural, fator adquirido no processo de sociabilidade,caracteriza-se pela capacidade de referenciar os membros de uma cultura, ao mesmo tempo em que serve de referência para outros grupos culturais. É através da identidade que os indivíduos vêem e são vistos dentro de uma ótica cultural definida pelas escolhas dos elementos simbólicos que elegeram como marca identitária.A memória atua como suporte da identidade e é através dela que osentimento de pertencimento é aguçado. Sobre a relação memória e identidade, Ulpiano Meneses ( 2000, p.185) declara: “ É a memória que funciona como instrumento biológico- cultural de identidade, conservação, desenvolvimento, que torna legível o fluxo dos acontecimentos”.

Nessa perspectiva, o patrimônio histórico-cultural atua como elemento deevocação da memória e conformação de identidades, reforçando os sentimentos de pertencimento. Sua preservação configura-se na expressão de reconhecimento de um passado comum compartilhado por todos os membros do grupo.

 

2.3 – Cursos e percursos: a trajetória de políticas de preservação do patrimônio histórico-cultural

 

Ao reconhecer o valor do patrimônio histórico-cultural enquanto referência individual e coletiva, sua preservação torna-se um fator relevante para as sociedades do final do século XVIII.Assim, a Inglaterra e em seguida a França iniciam um processo devalorização e busca pela preservação daquilo que representa os vestígios da construção histórica das coletividades, pautando-se em ações sistemáticas de preservação desses bens, que logo são adotadas por outros países. (Choay, 2001).

A partir daí, a proteção do patrimônio rompe as barreiras geográficas dos países, inscrevendo-se em âmbito internacional. Encontros, congressos e conferências, com envolvimento de diversos organismos públicos e privados interessados na salvaguarda do legado histórico-cultural da humanidade são realizados, dando origem a declarações e recomendações que culminaram em políticas públicas para a preservação do patrimônio, norteando as ações preservacionistas voltadas ao legado das civilizações. A preservação do patrimônio cultural da humanidade recebe a tutela de normas internacionais: Ao longo do século XX, a proteção internacional dos bens culturais imóveis ocorre em três níveis: direito internacional – caracterizado pelas grandes conferências diplomáticas convocadas para o debate de problemas globais,até mesmo para a adoção de convenções multilaterais; organizações não governamentais – realização de congressos internacionais de arquitetos e restauradores que adotaram diretrizes relacionadas à proteção dos  bens culturais; direito das organizações internacionais – instituições de convenções internacionais, elaboradas e adotadas segundo procedimentos estabelecidos pelas organizações internacionais.( SILVA, 2003, p.49)

No campo discursivo do patrimônio, o tombamento expressa o ritual de registro de um bem nos livros de tombo, momento de sua nomeação oficial enquanto patrimônio e da sua inscrição como objeto de interesse público sob guarda do Estado. O poder público deve zelar pela preservação ec onservação das características que o tornam representativo do passado.(DELGADO, 2005,p.6)

Sob a tutela do Estado, os bens tombados encontram-se em um processo devigilância que restringe a atuação de esferas públicas ou privadas sob esses bens,com obediência aos critérios de salvaguarda definidos por lei que recai sobre opatrimônio tombado. Em 1979 foi publicada a Carta de Burra, que definia os conceitos de conservação, preservação, restauração, manutenção e reconstrução, com enfoque às novas vertentes na compreensão do patrimônio:

Conservação – significa todos os processos de cuidado de um sítio paramanter seu significado cultural.

Preservação – será a manutenção no estado da substância de um bem e a desaceleração do processo pelo qual ele se degrada.

Restauração – Será o restabelecimento da substância de um bem em um estado anterior conhecido.

Manutenção – designará a proteção contínua da substância, do conteúdo e do entorno de um bem e não deve ser confundido com o termoreparação.

Reconstrução - Será o restabelecimento, com o máximo de exatidão, deum estado anterior conhecido; ela se distingue pela introdução na substância existente de materiais diferentes, sejam novos ou antigos.(SANTOS JÚNIOR, 2005, p.)

O patrimônio histórico-cultural torna-se, portanto, um indicador empírico da memória. Sua existência auxilia na construção da identidade, do sentimento depertencimento a um grupo

humano, dentro de uma historicidade delineada no tempo e no espaço. Sua preservação só se torna possível quando os indivíduos dasociedade o reconhecem como parte da sua história, quando o passado é evocadoatravés desses lugares de memória e quando a identidade é percebida nessas realizações concretas. Reconhecendo a importância do patrimônio para a identificação local, ainserção da comunidade na preservação e reconhecimento desse patrimônio tornasse um aspecto relevante nas políticas de proteção. Assim, a Carta Internacional para a Conservação das Cidades Históricas de 1986 estabelece a adesão dos habitantes na conservação das cidades como fator essencial no desenvolvimento de estratégias de proteção aos bens patrimoniais: A participação das pessoas envolvidas nos processos de reconhecimento patrimonial é de importância fundamental, uma vez que o valor cultural das referências é dado não somente pelos técnicos especializados, utilizando critérios próprios de seus respectivos ofícios, mas principalmente pelo valorde testemunho histórico e de concentração de significados atribuídos pelogrupo social ao bem tombado. (CANANI, 2005, p. 16)

 

 

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