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HISTÓRICO DOS CEMITÉRIOS DA REGIÃO

  

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Juliana Maria de Carvalho Ramos

   Sinopse

  O objetivo desta pesquisa foi o de compreender o papel dos cemitérios mais antigos da região do atual Grande ABC durante todo o século XIX e as três primeiras décadas do século XX. Para tanto, marcaram-se dois momentos: o da vinculação destes com as igrejas, expressando a influência da sacralidade e da Igreja Católica como marca da mentalidade e da vida cotidiana durante o século XIX na região – o que também vigorava não só na província de São Paulo, mas em todo o Brasil imperial; e a municipalização dos mesmos, a partir da década de 1910, característica de um movimento de laicização por parte do governo republicano recém implantado e dos objetivos do mesmo em promover a “modernidade” e a “civilidade” no país, expressadas pela ordem e a higiene que pretendia instalar nos espaços públicos de grande circulação.

 

    As informações levantadas na documentação sobre os cemitérios mais antigos do ABC – à época município de São Bernardo – demonstraram haver, em lugar de uma brusca ruptura entre esses dois momentos, um movimento dialético de permanências e mudanças entre a influência do âmbito religioso e as atribuições que a administração municipal, já durante a república, buscava assumir no que se referia ao âmbito público.

     Histórico sobre Cemitérios do ABC

    O intuito do texto aqui elaborado é o de inserir os cemitérios de origem mais antiga da região do ABC num contexto histórico mais amplo, relativo ao papel da religiosidade e da igreja, no que se refere à questão da morte, e às concepções e ações do poder público para lidar com este espaço de importância tanto físico quanto espiritual para a sociedade, no que serão destacadas as questões relativas à saúde pública, para as quais os cemitérios vieram a assumir posição crucial no período aqui abordado. Diante disso, procura-se trabalhar um momento específico, delimitado entre inícios do século XIX e a década de 1920 – havendo algumas referências a datas um pouco mais recuadas, localizadas em meados do século XVIII. É importante esclarecer que, nesse período, a região aqui em questão era formada por um único município, o de São Bernardo, que abrangia todas as outras localidades que atualmente formam a região, quais sejam: Santo André, São Caetano do Sul, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Paranapiacaba e a própria São Bernardo.

 

     A primeira ordem régia para a construção de cemitérios a céu aberto chegou de Portugal ainda no período colonial, já em 1789, recomendada ao bispo de São Paulo. Até então – e mesmo depois esta -, os sepultamentos eram feitos dentro dos templos eclesiásticos, depois em jazigos anexos e, finalmente, no adro das igrejas, pois a crença vigente envolvia a ideia de que ser enterrado junto aos santos e suas relíquias, ou seja, nas capelas, certamente levaria a alma para junto de Deus. No entanto, apesar da ordem e também da lei imperial de 1º. de outubro de 1828 – que obrigava as câmaras municipais a construírem cemitérios -, não se tem notícia de que qualquer providência significativa tenha sido tomada por parte dos poderes públicos municipais e grande parte dos sepultamentos continuaram a ser feitos nas igrejas ( ETCHEBÉHÈRE Jr, 2003 ) .

 

    Nesse contexto insere-se, então, o surgimento dos primeiros cemitérios na região do então município de São Bernardo, em que também todos esses eram agregados a capelas erigidas, sobretudo, a partir de meados do século XVIII ( Santos, 1992,155 ). Pelo que se depreende da documentação aqui utilizada, era comum que as construções e reformas feitas nas capelas do período fossem empreendidas por Irmandades, de que ficavam a cargo também os sepultamentos dos membros que não possuíssem recursos nas igrejas às quais eram ligadas, além da construção e conservação de cemitérios junto a tais Igrejas, quando estas já não comportavam mais enterramentos em seu interior.

[1] Trabalho apresentado por Juliana Maria de Carvalho Ramos no 8º. Encontro de Pesquisadores, ocorrido nas dependências do Museu de Santo André (conhecido atualmente como Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa) no dia 30 de abril de 2005. Pesquisa e texto desenvolvidos sob orientação de Suzana Cecília Kleeb, Historiadora do Museu de Santo André.

 

[2] ETCHEBÉHERE Jr., Lincoln: “O morrer em São Paulo no século XIX”, in: Revista Histórica; Arquivo do Estado de São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, set. a nov. de 2003

[3] SANTOS, Wanderley dos: Antecedentes Históricos do ABC Paulista – 1550/1892; PMSBC, SECE, Dep. de Cultura; 1992. p. 155

 

 

    O caso da Capela do Pilar, no atual município de Ribeirão Pires, a mais antiga da região do ABC, está encaixado nas análises que foram feitas no primeiro texto desta sequência[1]. O pesquisador Wanderley dos Santos aponta o ano de 1714 como o de sua fundação. A referência a um cemitério ligado a tal capela é dada também por este autor, que diz ter sido fechado e destruído pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Pires, em 1965, o cemitério existente desde o século XVIII nos fundos desta Igreja[2]. A tese deste autor sobre a fundação da capela do Pilar acabou sendo oficialmente aceita quando do tombamento da capela, em 1975, pelo Conselho da Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Turístico (Condephaat), do estado de São Paulo. Para tanto, foi apresentado por Wanderley dos Santos e por Miguel Antônio Falcetta Neto um quadro com um documento comprobatório da data de 1714 como a de fundação da capela[3]·.

 

    Ainda sobre a capela do Pilar, há na documentação pesquisada um abaixo-assinado dos moradores da “colônia” de Ribeirão Pires, datado de 15 de julho de 1902, solicitando à Câmara Municipal de São Bernardo sua intervenção e auxílio para os serviços de conserto e fechamento necessários ao cemitério ali existente. Os moradores informam a localização do cemitério – bairro do Pilar – e a existência, no mesmo, da capela de Nossa Senhora do Pilar, da qual se dizia estar em “deplorável estado”. Reclamava-se, ainda, da falta de uma cerca que fechasse o cemitério e impedisse a passagem de animais. Os moradores definiam como “falta de humanidade” e “ruína” a situação em que o cemitério se encontrava e apelavam, então, para a ação da administração municipal com relação às obras necessárias[4].

    O documento demonstra, em primeiro lugar, a omissão do poder público com relação à infra-estrutura física do cemitério em questão, evidenciada não apenas pela situação calamitosa em que foi deixado com a ausência da Irmandade – não foram encontradas informações, na documentação existente, que explicassem tal ausência -, como também pelo fato de uma primeira iniciativa de resolução ter sido feita por parte dos próprios moradores, o que demonstra não haver também uma fiscalização sobre as condições de tal espaço. Em segundo lugar, tem-se claramente a importância do papel das Irmandades para a organização e conservação deste espaço que só posteriormente seria efetivamente assumido pelas instâncias do poder público.

 

    A capela de São Caetano, erigida no século XVIII, onde atualmente está localizada a Matriz Velha da cidade, funciona como outro exemplo desse vínculo, característico dos séculos XVIII e XIX, entre igrejas e cemitérios por meio das Irmandades. Foi construída entre 1717 e 1720 pelos monges beneditinos que habitavam a região[5] e sofreu reformas em 1772. Em tal capela, além das missas rezadas aos domingos para os moradores da então Vila de São Caetano, também eram realizados sepultamentos, sobretudo a partir da criação da Irmandade de São Caetano, no último quartel do século seguinte, a 8 de maio de 1879[6].

 

    É curioso perceber como mesmo um cemitério intencionalmente bem afastado, como era o caso do chamado Cemitério dos Bexiguentos, na então Estação de São Bernardo (hoje município de Santo André), onde eram enterrados os mortos por varíola[7] [8], possuía uma pequena capela, conhecida por Capelinha dos Bexiguentos ou Capela de Santa Cruz da Estação de São Bernardo, para que as almas dos variolosos sepultados naquele fossem devidamente encomendadas[9], tendo sido demolida em 1910[10]. De qualquer forma, mesmo que não se tenha a data exata do surgimento do Cemitério dos Bexiguentos, a permanência hodierna de registros escritos e, sobretudo, orais sobre sua localização[11] revela a relevância desse espaço para os então moradores da Estação de São Bernardo, principalmente por ter sido este, durante bom tempo, o cemitério mais próximo para a população residente naquela localidade.

 

    No caso da Vila de São Bernardo, sede do município homônimo, o primeiro cemitério construído junto de uma capela foi o segundo do ponto de vista cronológico. De acordo com as informações levantadas, o cemitério denominado Paroquial de São Bernardo foi aberto em 1814[12] - portanto anteriormente a lei imperial que obrigava as câmaras municipais a construírem cemitérios -, não tendo sido encontrada, porém, qualquer referência à existência de uma capela no mesmo.

 

    O segundo cemitério da vila de São Bernardo, seguindo-se a ordem cronológica dos eventos e de acordo com a documentação foi aquele construído nos fundos da Igreja Matriz da vila. As obras de construção de tal Igreja foram iniciadas em 1812. Em fins de 1814 foi inaugurada uma pequena capela localizada em frente ao local onde seria instalada a Matriz. Tal capela, denominada de Nossa Senhora da Boa Viagem, serviria provisoriamente para as missas e outros cerimoniais religiosos, até que a Matriz fosse finalizada e inaugurada, o que se daria em 1825. Em meados da década de 1850 foram iniciadas, então, as obras do novo cemitério nos fundos da Matriz da Vila, sendo que, anteriormente a sua construção, os sepultamentos eram feitos no interior da Igreja, para os quais eram retirados os assoalhos de 30 centímetros, sendo recolocadas as tábuas após cada enterramento[13].

 

No entanto, o surgimento, ainda no século XIX, do terceiro cemitério da sede do município de São Bernardo, então denominado Santa Cruz da Borda do Campo – o atual cemitério da Vila Euclides – faria com que o cemitério da Matriz fosse, aos poucos, deixando de ser utilizado (não há informações sobre uma possível falta de espaço em tal cemitério que poderia, então, ter levado à utilização do outro). Este passou a ser utilizado já em 1875, substituindo o cemitério da Matriz, ainda sem possuir uma capela, que seria construída algumas décadas depois, em 1904. Consta, no entanto, como 1902 a data de sua secularização que se encontra no endereço abaixo indicado:

 

http://pedrohenriqueramos.blog.terra.com.br/2010/10/23/historico-sobre-os-cemiterios-do-abc-2/

[2] FCMSB; S9-M3.

[3] SANTOS, Wanderley dos: Antecedentes Históricos do ABC Paulista – 1550/1892; PMSBC, SECE, Dep. de Cultura; 1992. p. 152

[4] FCMSB; S5-M6.

[5] FCMSB; S15-M1

[6] FCMSB; S15-M1

[14].

 

 

    Relacionando-se ao quadro exposto no artigo anterior[1] temos uma proposta de um morador da vila, Segundo Mandolim, à Câmara Municipal para a construção de uma capela no então chamado cemitério da Vila de São Bernardo, em 28 de setembro de 1900; tal pode sugerir que tal cemitério seja ou o de Santa Cruz da Borda do Campo ou àquele primeiro Paroquial, hipóteses cuja elucidação não pôde ser encontrada na documentação aqui utilizada. O morador dizia, ainda, estar sua proposta de acordo com as disposições do edital que se informa ter sido afixado na Câmara Municipal e propunha a quantia de 780:000 (780 mil réis) como custo às obras[2].

 

    O quarto cemitério mais antigo da Vila foi construído por uma Irmandade que se havia ligado à Matriz de São Bernardo em 10 de setembro de 1893, qual seja, a Irmandade do Santíssimo Sacramento[3]. Um requerimento do provedor e tal Irmandade, Francisco Antônio de Lima, em 3 de novembro de 1903, solicitava à Câmara sua permissão para abertura de uma rua com o objetivo de “embelezar” o cemitério da Irmandade que, segundo o documento, se encontrava em construção. A rua seria construída, de acordo com o requerente, em linha reta, “partindo da estrada velha” da vila que levava à São Paulo, atravessando o largo do cemitério municipal e chegando à frente daquele outro cemitério. O requerente assumia, ainda, a responsabilidade pela autorização e conservação de tal rua e reforça seu pedido afirmando que tal rua serviria de acesso também ao cemitério municipal. Seu pedido foi aprovado em 5 de novembro daquele ano[4].

 

    É importante esclarecer que, pelo documento, não é possível saber de qual dos dois cemitérios anteriormente citados se trata o “cemitério municipal” a que o provedor se refere – excluindo-se o cemitério da Matriz, já que vinculado à tal Igreja e, portanto, sem possibilidade de ser designado dessa forma. Além disso, é curiosa a utilização da denominação “municipal”, já que nesta data (1903) ainda não existia a lei que municipalizaria todos os cemitérios então existentes no município de São Bernardo, lei esta de que se irá tratar mais adiante. No entanto, tal termo passa a fazer sentido se relacionando à já citada lei imperial às câmaras municipais para que construíssem cemitérios em suas localidades. Considerando-se, então, a data (1828) desta lei e relacionando-a às datas de construção dos cemitérios da vila de São Bernardo mencionados até aqui e que poderiam ter caráter municipal – respectivamente 1814 e 1870 (aproximadamente) -, pode-se vincular a referência do provedor da Irmandade do Santíssimo Sacramento ao cemitério de Santa Cruz da Borda do Campo – o cemitério da Vila Euclides.

                                         

    De qualquer forma, tais informações sobre a questão dos cemitérios na sede do município de São Bernardo entre meados do século XIX e princípios do XX demonstram a importância da sacralidade e da influência eclesiástica tanto no que se referia à morte, quanto à própria vida cotidiana da sociedade da época, sobretudo se for considerado que essas Irmandades religiosas eram formadas pela própria população. Tal influência fica ainda mais clara quando se analisa o caso da Irmandade aqui em questão, cujas intervenções davam-se em um nível muito mais amplo do que apenas aquele circunscrito ao espaço interno do cemitério, já que a ela foi permitida, pelo poder público, a interferência na própria estrutura urbana do município.

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